quarta-feira, 20 de abril de 2011

Revoluções e as mídias sociais

Mensagens de texto e o Facebook afetam ou não a política - e os levantes - de um país? Clay Shirky e Malcolm Gladwell protagonizaram mais um capítulo da discussão
RENAN DISSENHA FAGUNDES

Wael Ghonim é executivo do Google e foi um dos organizadores do movimento de 25 de janeiro, no Egito, início das manifestações que levaram a queda do ditador Hosni Mubarak. O Facebook foi uma peça fundamental na comunicação e organização dos protestos, tanto que Ghonim, depois que Mubarak não estava mais no poder, afirmou à CNN que gostaria de conhecer Mark Zuckerberg, fundador da rede social, para agradecê-lo. Pouco antes, na revolução que derrubou o governo da Tunísia, a internet também tivera um papel organizador importante. E é possível voltar ainda mais: mensagens de texto foram importantes para a organização, em 2001, de um protesto nas Filipinas que garantiu a saída do presidente Joseph Estrada do poder e, em 2004, de um protesto na Espanha que mudou o curso da eleição para primeiro-ministro no país.

Mídias sociais - mensagens de textos, o Twitter, o Facebook, fóruns online - mudam alguma coisa na forma de organizar protestos? A tecnologia é importante para derrubar governos? Embora já tenha mais de uma década, essa discussão ganhou espaço principalmente depois das manifestações - sem sucesso - no Irã, em junho 2009, e agora com os recentes protestos na África. Céticos e entusiastas discordam das mais diversas maneiras. A discussão mais recente ocorreu entre Clay Shirky e Malcolm Gladwell, nas páginas da última edição da Foreign Affairs, revista sobre política externa publicada bimestralmente desde 1922 pelo Council on Foreign Relations, organização sem fins lucrativos americana baseada em Nova York.

Shirky, professor de novas mídias na Universidade de Nova York, é o entusiasta. No livro Here Comes Everybody, publicado em 2008, Shirky defende que ferramentas da web, como o Wordpress, o Twitter ou a Wikipedia, alteram a forma como grupos podem se organizar e se comunicar. A Foreign Affairs publicou na edição de janeiro/fevereiro um texto de Shirky entitulado The Political Power of Social Media (O poder político da mídia social), em que o autor fala sobre como a política externa do governo americano para liberdade na internet está indo por um caminho errado: o desenvolvimento de ferramentas para impedir a censura de sites como o Google e o New York Times (para aumentar o acesso à informação) ao invés de defender mídias usadas pelos cidadãos para se comunicar uns com os outros.

O argumento de Shirky é que ferramentas e mídias sociais tiveram um papel importante na organização tanto dos protestos que tiveram resultados - como na Espanha ou no Egito - quanto naqueles em que o governo saiu vitorioso - o Irã em 2009, mas também na Bielo-Rússia em 2006 e na Tailândia em 2010. "Assim como Lutero adotou a recém-inventada imprensa para protestar contra a Igreja Católica, e os revolucionários americanos sincronizaram suas crenças usando o serviço postal criado por Benjamin Franklin, os movimentos dissidentes de hoje vão usar qualquer forma possível para coordenar suas ações", escreveu.

Shirky, por outro lado, apesar de seu entusiasmo, deixa claro que não acredita que a tecnologia derruba governos - nem agora, e nem no passado -, mas que ferramentas de comunicação têm um papel de apoio: ajudam as pessoas a se organizarem quando o Estado está enfraquecido. Shirky também acredita que a habilidade pessoas se comunicarem entre elas é mais importante do que o acesso à informações divulgadas por meios de comunicação de massa. Celulares e redes sociais como o Twitter e o Facebook são assim mais importantes para revoluções do que acesso à mídia tradicional ou ao YouTube.

De acordo com Shirky há dois argumentos básicos de crítica contra a ideia de que as mídias sociais fazem alguma diferença na política de um país: que as ferramentas não fazem diferença, e que elas produzem mais danos do que coisas boas, pois são usadas também pelos governos autoritários. Gladwell, cético, defende o primeiro desses argumentos. Em resposta ao texto de Shirky, Gladwell escreveu na Foreign Affairs que "para que uma inovação faça diferença, ela precisa resolver um problema que em primeiro lugar era de fato um problema". "Que evidências existem de que as revoluções sociais na era pré-internet sofreram com a falta de ferramentas organizacionais e de comunicações de ponta?", escreveu.

Gladwell afirma que o argumento de Shirky só seria persuasivo se ele pudesse convencer os leitores de que os levantes que usaram mídias sociais não poderiam ocorrer sem essas ferramentas. Shirky respondeu na mesma edição da Foreign Affairs: "As mídias sociais permitem que insurgentes tenham novas estratégias? E essas estratégias já foram cruciais? Aqui, a história da última década é inequívoca: sim, e sim", escreveu. "Como Gladwell notou anteriormente, essas mudanças não permitem que grupos não comprometidos consigam uma ação política efetiva. Mas permitem que grupos empenhados joguem com novas regras."

Uma das principais críticas de Gladwell é que a internet gera o que ficou conhecido no Brasil como "ativismo de sofá": a ideia de que é possível conseguir a mudança social apenas pela internet. Em outubro de 2010, o jornalista publicou naNew Yorker, revista da qual é repórter desde 1996, um artigo chamado Small Change, em que defende que as "ligações fracas" formadas entre usuários das mídias sociais não substituem as "ligações fortes" da vida real. Gladwell parece não querer levar em conta o uso dessas mídias pelas redes de pessoas do mundo real. O subtítulo do artigo na New Yorker é "a revolução não vai ser tuitada", referência a famosa frase "a revolução não vai ser televisionada", de Gil Scott-Heron. Mas, ao contrário da TV, a principal ação da internet não é distribuir informação: é permitir novas formas de comunicação entre as pessoas.

Fonte: http://revistaepoca.globo.com

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